Cenário
Autobiografia do Vermelho
2024

AUTOBIOGRAFIA DO VERMELHO
encenação do romance em versos de Anne Carson
A estreia mundial no teatro de Autobiografia do vermelho aconteceu em março de 2024 na favela da Maré, no Rio de Janeiro, em uma parceria com a Lia Rodrigues Companhia de Danças, Centro de Artes da Maré e Redes da Maré.
Autobiografia do vermelho” é a encenação do romance em versos de Anne Carson, que toma dos fragmentos do poeta grego Estesícoro, de VI a.C., o seu personagem central. Gerião é um garoto, que também é um monstro vermelho, que vive em uma ilha vermelha no meio do Atlântico. Gerião é um personagem da mitologia grega que esteve, até aqui, confinado ao décimo trabalho de Héracles. Até aqui.
A peça leva para a cena um conjunto monstruoso de linguagens e gêneros, reunindo fotografia, conferência, escultura, poesia, arte sonora, arquitetura, cinema, design, ensaísmo, entrevista, artes visuais, filosofia e literatura. Cenografia e expografia se sobrepõem na construção da espacialidade que é o campo hibridização, edição e corte das diferentes mídias que são acionadas. A etimologia de “teatro” (em grego, théatron: théa – olhar com interesse; tron – donde), “lugar de onde se vê”, é um dos partidos da espacialização da encenação, que reúne uma equipe interdisciplinar (Carlos Zebulun, arquiteto e designer; Mayana Redin, escultora e artista visual; Bruno Siniscalchi, diretor e dramaturgo) para a criação de uma cenografia que acontece nos limites da expografia, uma vez que a questão central que se impõe dramaturgicamente e espacialmente é a perspectiva sob a qual se vê um personagem, uma fotografia, um objeto, uma cena, uma história.
Montada em espaços de função indefinida ou variável (o galpão do Centro de Artes da Maré, ou a galeria do Tropigalpão, no RJ), a cenografia é composta por uma mesa, uma cadeira e par de cavaletes feitos em perfil metalon de 1 polegada, pintados de cinza grafite, além de uma caixa de papelão, uma escultura em estrutura metálica com carvões vegetais e uma TV dispostos em uma configuração de plateia frontal e unilateral. Todos os elementos são móveis, e o mobiliário é determinante no que se vê, ou na maneira como se conta aquela história. Apesar da configuração do público “clássica”, o diretor e dramaturgo, sozinho em cena, corta e recorta o espaço, cenas e seus personagens através da inversão de perspectivas que se dá em ato com o uso do rodízio giratório sob a mesa e cadeira, com a montagem e desmontagem das esculturas (que se apoiam sobre a cadeira ou na mesa e as combinam com outros materiais – cigarros, couro, veludos, fios de lã –, e se convertem em personagens, ao serem animadas sonoramente e na contracenação), na colagem, recorte, edição, sincronização e grampeação dos textos, fisicamente nos cavaletes e nas aparições no monitor da TV, no projeto ao vivo do próprio espaço cênico com as linhas de barbantes traçadas em cena e da iluminação por lanternas operadas em cena, de forma a tensionar, cortar, inverter, apagar ou acender a perspectiva frontal de quem assiste.
Em uma função de montagem e desmontagem dos objetos, espacialidade e textos, o que se encena, no fim das contas, são as variadas formas sob a qual essa história pode aparecer, ou ainda o multiperspectivismo da monstruosidade que se revela e se traduz espacialmente na encenação.
Sobre a encenação:
“Havia muitas maneiras diferentes de contar uma história como essa.”
São muitas, também, as maneiras de encenar um livro como esse.
Como encenar um livro que é romance, poesia, arquivo, autobiografia, entrevista, ensaio fotográfico? Como verter para a cena essa história que não se fixa a nenhum gênero, a nenhum tempo histórico ou espaço geográfico? Como colocar em cena um registro de interpretação que não seja o da representação, mas sim da atuação sobre o texto? Como fazer de uma autobiografia que é polifonia de perspectivas um solo para um diretor em cena?
Como contar essa história de uma maneira que ela ainda possa continuar a ser contada de muitas outras maneiras?
Em Autobiografia do vermelho, Anne Carson nos propõe olharmos para uma das histórias mitológicas mais conhecidas do cânone ocidental - o mito de Hércules e seus doze trabalhos - a partir de um outro ponto de vista.
O que acontece se nos damos a chance de olhar para essa história a partir da perspectiva de quem esteve à margem da narrativa oficial? O que acontece com a mitologia clássica, queaindaecoanomundocontemporâneoatravésdas formasatuaisdepensar,viveresentir, quando colocamos no centro da narrativa o que antes era periférico a ela?
Se assim como Anne Carson fez valer em sua maneira de contar essa história a perspectiva do monstro Gerião, é a partir de uma ética da monstruosidade - que mistura e faz conviver tudo que é estranho entre si - que percorremos o nosso processo de criação.
Para encenar a autobiografia de Gerião, cinema, conferência, literatura, fotografia, arte sonora, moda, pintura, música, poesia, performance, escultura são convocadas na composição da nossa peça. Transicionando entre diferentes formas artísticas, contamos em cena a vida do monstro vermelho ao passo que a peça mesma vai se fazendo monstruosa no seu cruzamento de linguagens. Uma peça-monstro, onde todas as linguagens, todas as invenções são incorporadas para contar em muitas perspectivas desde os tempos e coisas mais íntimas até as superfícies dos fatos da vida de Gerião.
A peça encena não só a possibilidade de conhecermos a história de Gerião contada por ele mesmo, e assim entrarmos em contato com uma narrativa constitutiva do imaginário político e sensível da ontologia ocidental a partir de uma outra perspectiva, mas também a própria invenção dessa história.
Na peça, o próprio diretor está em cena, encenando não uma interpretação do livro, mas a propria cena de invenção da história, utilizando-se de recursos estrangeiros ao próprio teatro, oriundos do cinema, das artes visuais, da literatura, da arte sonora.
Ao colocarmos em cena não só a história contada de outra maneira, mas a própria invenção de um outro ponto de vista sobre a história, apostamos na invenção artística como um campo sempre em aberto, para que novos rearranjos de realidade possam surgir e alterar como olhamos para uma história, e, assim, alterar a nossa própria vida em comum.
Sinopse:
Gerião, um menino que também é um monstro, revela o terreno vulcânico de sua interioridade subjetiva em uma autobiografia que começa aos cinco anos de idade, e ao longo da sua vida assume diferentes formas em diversas linguagens – escultura, poesia, fotografia, etc. Em sua saga atrás de si mesmo, Gerião percorre diferentes gêneros para a escrita da sua autobiografia e encontra um lugar para si atrás das lentes de sua câmera e na companhia de um jovem chamado Héracles, um viajante aventureiro, libertário e infixável que o deixa profundamente apaixonado. Quando Héracles reaparece anos depois do primeiro encontro, Gerião enfrenta novamente a eletricidade de seu desejo em uma jornada que vai transitar entre eroticidade e conhecimento, vida e morte. Extravagante e assombroso, erudito e pop, rico em camadas e enganosamente simples, Autobiografia do vermelho é um retrato profundamente comovente de um menino-monstro que aceita o fantástico acidente de ser quem ele é.
Ficha Técnica da peça:
Autobiografia do vermelho
Encenação do romance em versos de ANNE CARSON
Direção, Atuação BRUNO SINISCALCHI
Tradução ISMAR TIRELLI NETO
Dramaturgia BRUNO SINISCALCHI, ISMAR TIRELLI NETO, FABIANA COMPARATO Diretora Assistente JULIA MENNA BARRETO
Assistente de direção, vídeo JOSÉ MEKLER
Direção de movimento AMÁLIA LIMA
Cenário BRUNO SINISCALCHI, CARLOS ZEBULUN, MAYANA REDIN
Mobiliário CARLOS ZEBULUN
Assistente de mobiliário ANGELA BLANCO
Esculturas MAYANA REDIN
Figurino MARINA DALGALARRONDO
Tilha sonora, som GABRIELA NOBRE
Operação de som CLARA LESSA
Luz ANNA TURRA
Participação "Your Highness" de JAC LEIRNER, Voz de MARINA VIANNA
Arte gráfica VITOR GARCEZ
Leitura MARÍLIA GARCIA
Colaboração para a direção MARIA BORBA, NATASHA HELSINGER
Serralheria ANTONIO AP MARCHETTI, CRISTIANO GONÇALVES DOS SANTOS
Uma produção INSTITUTO COMUM, EDITORA MACHADO
Parcerias EDITORA 34, INSTITUTO DE ESTUDOS DA COMPLEXIDADE, LIA RODRIGUES COMPANHIA DE DANÇAS, REDE DA MARÉ, CENTRO DE ARTES DA MARÉ
Fotografia RAFAEL SALIM










